terça-feira, fevereiro 28, 2006

Gritus Maximus

 

Acabei de ser informado que está ser planeada uma gritaria concertada para as 10 horas da noite de hoje: em vez de ser um momento espontâneo, como é e tem sido desde há pelo menos vinte anos, alguém se lembrou de espalhar a palavra e organizar uma berraria em massa, numa tentativa de rebentar com a escala. Está-se a falar em estabelecer um recorde e entrar para os livros de História como a maior gritaria de que há registo na Suécia, tanto que algures no alto de um dos prédios vai haver alguém com um sonómetro para medir o volume do som produzido pelos milhares de estudantes que moram na Flogsta :D

Há cartazes a anunciar a coisa em todos os corredores de todas as residências universitárias nesta zona de Uppsala e cada um tem que escolher um líder para bater às portas dos quartos e certificar-se que todos gritam à hora certa. Advinhem quem é que os meus colegas de corredor escolheram...



Eu! Não faço a minima ideia porquê...cof! :p

(duas horas e meia depois)

Quando faltavam dez minutos para as 22 horas, toquei às campainhas dos quartos todos e consegui meter a maior parte dos meus colegas de corredor na sala, prontos para irem para a varanda ou janelas da cozinha berrar à força toda. Por essa altura já se ouvia um grito ou outro em jeito de treino :p Quando chegou a hora, começou assim...



...e ascendeu até isto e mais além, lol...



...continuando por uns quantos minutos, enquanto na rua um grupo de estudantes com um megafone puxava pelo pessoal. Foi de doidos! :D Olhava para cima e via gente dos outros seis andares deste prédio à janela dos quartos e da cozinha, a berrar para a rua ou uns para os outros, vizinhos de cima e vizinhos de baixo, eu incluido :p

E consta que o momento vai ser noticiado no canal de televisão local (porque sim, eles têm disso cá na Suécia). Mas, apesar de tudo, acho que não conseguiram bater esta. Melhor sorte para a próxima.

Então e assim?

 

Será que assim também ofende a sensibilidade zelota de quem vive numa democracia ocidental, mas esqueceu-se que a sociedade civil não se rege por dogmas religiosos? Os iluminados já não se lembram que liberdade de culto é também liberdade do culto, de não se estar sujeito aos ditâmes da fé que não se professa? Ou será que é preciso fazer um desenho (outro)?







sábado, fevereiro 25, 2006

Quase, mas não tanto

 

O dia hoje amanheceu com um cheiro a Primavera no ar, com um sol radiante e uma temperatura relativamente amena (realço o «relativamente»). Ontem e antes de ontem, a neve tem vindo a derreter a olhos vistos e, embora hoje se notasse que parte dela tinha voltado a congelar, a coisa tinha já um certo sabor a mudança de estação. Muito embora a cidade esteja ainda coberta de branco, até se vislumbrava um pouco de verde:



É, no entanto, um falso alarme: além de que há-de nevar mais, não se pode esquecer que o ano passado, no princípio de Março e quando todos pensavam que o Inverno já tinha terminado, veio um nevão que voltou a cobrir a cidade de neve e baixou a temperatura para os 30 graus negativos... Nem de propósito, lá pelas 15.40 da tarde de hoje...



Foi um nevão de apenas uns minutos, mas serviu para lembrar que, mesmo estando mais perto, a Primavera ainda não chegou. E agora que acabo de escrever esta entrada, recomeçou a queda de neve batida a vento...

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Semana da Galiza

 

Apesar do que os devaneios franquistas em Espanha e o políticamente correcto em Portugal possam levar a pensar, a verdade é que os portugueses e os galegos, mais do que irmãos, são povos gémeos. Isto porque a ascensão do Condado Portucalense à categoria de reino independente em 1143 foi o culminar de um processo de autonomização daquilo que era na prática a Galiza sul. Por outras palavras, nós portugueses nascemos como galegos que constituiram a sua própria autonomia. De tal modo que a língua falada dos dois lados do rio Minho era o galego-português, a língua comum usada pelo povo, feita idioma oficial do reino por D. Dinis e na qual ele próprio escreveu, uma língua distinta do leonês (hoje também conhecido como mirandês) e do castelhano.

Malgrado o que o nacionalismo espanhol e a falta de vontade em Portugal possam ter feito, os laços que nos unem à Galiza continuam vivos - incluindo o uso do galego-português moderno a norte do rio Minho - mas são laços que precisam de ser nutridos, revigorados e mantidos pelo trabalho tanto dos galegos, como dos portugueses. Entre os dias 18 e 26 de Março, vai ter lugar em Braga algo que contribui para esse esforço: a Semana da Galiza!

O evento é organizado pelo núcleo de Braga da ATTAC-Potugal com a participação da Associação de Amizade Galiza-Portugal e do Movimento de Defesa da Língua. Podem ver o programa clicando nestas duas imagens para as maximizar:

A partir de sexta-feita poderão encontrar informação no Portal Galego da Língua. Pessoal, 'tá a passar a palavra; rumem a Braga, caso morem na região ou possam deslocar-se desde partes mais distantes do país. Há que nutrir os laços com os nossos irmãos!

E se têm dúvidas que a língua própria da Galiza é outra que não o castelhano ou acham que uma pessoa vinda de Portugal deve ter dificuldades em entender o galego-português, pois bem, vejam esta entrevista ao Carlos Figueiras do Movimento de Defesa da Língua, transmitida no dia 7 deste mês na TV Galicia:



A língua que o Carlos usa é o galego-português: digam lá se a Galiza não merece um lugar reconhecido na lusofonia?

terça-feira, fevereiro 21, 2006

As escorregadelas (finalmente!)

 

Não sei vos cheguei a contar, mas no sábado passado houve jantar em casa da Rita, coisa ainda do aniversário dela. Presentes, para além dela e do namorado, como é lógico, estive eu, o Ricardo, a Cristina (a tal alemã que fala português) e outras dois raparigas suecas. De vez em quando, o"Bonga" fazia breves aparições, LOL! (piada privada). A mesa fez-me em muito de doces: rabanadas, bolo de chocolate e ainda um outro inspirado numa receita sueca de que nós 'tugas estamos a ficar fãs: vamos todos voltar para Portugal com uns extras gastronómicos na manga :p



Ora, como a quantidade de açúcar ingerido foi grande, o dia seguinte serviu e parte para queimá-lo. E nada melhor para isso do que subir coline acima para escarregar na neve :D Vejam lá uns quantos vídeos.



O Ricardo em modo de subida e, como disse a Rita, a tentar atingir o camera man, LOL!



Depois de esperar que nós subissemos todos, o rapaz lá fez juz ao ditado de que para baixo todos os santos se ajudam :p Depois fui eu, com ele logo a seguir (outra vez):



Sim, eu engoli gelo :p

Enquanto isso, na mesma brincadeira que nós, estavam por lá três raparigas que falavam inglês entre elas (de onde se depreende que pelo menos uma não era sueca). Uma delas fez esta descida por dois declives seguidos:



"Camones" do caneco! :p

Amanhã, se eu conseguir sair a tempo da aula, eu, a Rita e o Ricardo vamos esquiar a sério (ou tentar, lol). A ver vamos. E olhem que ela está a fazer uma colagem dos vídeos todos do pessoal a escorregar na neve. Quando derreter toda e se já estiver pronto nessa altura, eu prometo que ponho aqui em jeito de despedida do Inverno ;)

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Bonecos suecos (e um portuga)

 

Ia eu hoje a caminho do ginásio, como sempre pelo jardim em torno do castelo, quando dei com mais escultas de gelo como estas que eu mostrei da outra vez. Das primeiras, apenas o cão se mantinha tal e qual: as outras foram alteradas e, entretanto, alguém fez umas novas, possivelmente a mesma pessoa. Ora vejam só:



O belo do DJ com direito a boné de lado e fio com um cifrão, lolol.









Este já conhecem da outra vez, mas agora foi "ligeiramente" modificado: cortaram-lhe a cabeça...


...fizeram este anjinho ao lado...



...e acrescentaram estas caras ao tronco da árvore. Uma espécie de colagem de filmes de terror, suponho.







Mais um boneco com detalhes sórdidos (estas coisas são muito populares na Suécia)...



...e outro bem mais simples. O ou a autor(a) continua anónimo(a): se dou com mais bonecos novos ainda monto uma espera à personagem, lol.

Entretanto, ontem à tarde, um grupo de portugueses mais a minha colega Aylin fizemos este:



Oh p'ra ele todo fino! Até teve direito a cachecol, boina e saco das compras :p Ah! E também a um orgão genital, ou não tivessemos um portuga das Caldas entre nós, LOL! Quanto aos vídeos também de domingo à tarde, quando fomos escorregar na neve uma vez mais, vão ter que esperar mais um ou dois dias que eu ainda não os tenho. E como ainda não os conhecem: a rapariga atrás de mim é a Ana, uma das novas portuguesas em Uppsala, e o rapaz ao lado da Rita é o namorado dela, o Ricardo, que veio cá passar uns dias e é dos lados das Caldas da Rainha :p

Beijinhos e abraços a todos, em particular para o meu pai, ele que faz hoje anos! Parabéns, papá!!! :D

domingo, fevereiro 19, 2006

Jesus não-tão-implacável

 

Fotografias de Janeiro, do dia da nossa primeira escorregadela na neve e primeira vez que andámos sobre o rio congelado, aqui convertidas em humor religioso pelas mãos da Rita e graças ao poder do Photoshop, LOL! (inserir música angelical)

Se Jesus é alvo de brincadeiras, porque não Maomé? O islamismo deve ser posto à parte, encerrado por detrás de uma qualquer muralha e feito intocável a bem da sensibilidade alheia? Dizer, escrever, fazer e desenhar coisas que são blasfemas para uma ou mais religiões é parte integrante da liberdade de expressão, caso contrário ela reger-se-ia por dogmas religiosos. O Islão no Ocidente deve estar sujeito às mesmas regras e práticas que qualquer outro credo presente nas sociedades ocidentais.

Jesus Implacável

 

Dava um óptimo filme de Natal :p Já sabem que podem ter que esperar um pouco até o video carregar.



Devemos pôr fim a este tipo de sátiras e brincadeiras por ofender a sensibilidade religiosa de alguns? Maomé não é o único a ser caricaturado...

Neve p'ra que te quero!

 

Pelo primeira vez num punhado de dias, ontem voltou a nevar. Como se as coisas não estivessem já brancas que chegue, a neve agora acumula-se em montes à beira da estrada, nos passeios e nos cruzamentos, o que torna o andar de bicicleta particularmente dificil: é um pouco como tentar pedalar num trilho cheio de areia... dá bronca, portanto :p

Ainda assim, a paisagem fica linda :)







Tomem lá mais estas, tiradas há coisa de uma semana atrás:



Sernanders väg...



...completamente coberta de branco, para contentamento dos estudantes que aqui vivem que são oriundos de países mediterrânicos :]



E um pequeno bairro ao lado, muito ao estilo de pequena aldeia com casinhas de campo e cercas de madeira e por onde se vai muito bem de bicicleta até à faculdade :)





Entretanto, já cá estão mais seis portugueses :D A comunidade lusa ascende neste momento a pelo menos dez pessoas! Até parece que é muito, lol. :p

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

De volta a Estocolmo

 

Já não lá ia há uns tempitos, mas hoje, finalmente, voltei àquela maravilha de cidade que é Estocolmo. Há muita gente entre o pessoal que ia adorar ir lá.

Inicialmente, o motivo da viagem resumia-se a umas palestras sobre duas estações arqueológicas relacionadas com o período vikingue. Os discursos e apresentações iam ter lugar no Museu de História Antiga e não dúvido que tenha sido uma coisa muito interessantes...tenha sido! Isto porque, sem que a organização se desse ao trabalho de avisar as pessoas que se tinham inscrito para assistir, o programa foi alterado na questão linguistica: todas as palestras foram dadas não em inglês, como estava previsto, mas em sueco. Não que os intervenientes não tivessem capacidade para a coisa, muito pelo contrário: a generalidade deles até escreveu as suas teses de doutoramento em língua inglesa. E de nada valeu a Alexandra e uma colega dele interromperem duas ou três vezes para chatear os organizadores: em sueco se falou. Ora, como nenhum de nós, alunos estrangeiros do mestrado, estava interessado em ficar a ver passar navios (Rita, mais uma para a lista!), fomos embora a meio.

Ainda assim, nem tudo correu mal. Antes das palestras, eu, o Shane e a Aylin ainda fomos visitar as salas que não tinhamos visto da última vez que tinhamos estado no museu. Vimos a Sala do Ouro, a Sala das Tapeçarias e a Sala Medieval. Todas elas são simplesmente deslumbrantes, com uma enorme riqueza de artefactos em exibição. E é apenas uma pequena parte do total pertencente ao museu. Fotografias, logicamente que não as há: a natureza da exposição não permite essas coisas, mas tirei algumas no átrio:



Esta estátua é uma réplica de uma que se encontra actualmente em Veneza. O que é que uma coisa destas faz num museu de história antiga na Suécia? Simples...





Tem runas gravadas em ambos os lados. O leão encontrava-se originalmente no Pireu, o porto mais próximo de Atenas. Algum vikingue que passou pela Grécia decidiu deixar uma marca da sua presença, escrevendo um longo texto do qual, infelizmente, apenas restam algumas partes. Séculos mais tarde, quando os venezianos atacaram Atenas e na mesma altura em que bombardearam o Parténon, usado como armazém de pólvora, levaram como troféu de guerra um dos leões de pedra que adornavam o porto. Ninguém reparou nas runas até muito mais tarde.

Ainda no átrio do museu, pode-se ver esta pedra...



...e esta outra com inscrições rúnicas que nós os três tentámos decifrar minimamente :p



Quanto a Estocolmo, continua linda como sempre, desta feita com neve e muito gelo ;)





Como as palestras foram com o vento (Rita, temos outra parecida, LOL!), eu, o Shane, a Aylin e a Aurore decidimos ir apreciar outros museus da cidade, nomeadamente...



...o Museu Nacional Sueco...



...e o Museu de Arte Moderna.

Como é óbvio, não há fotografias do interior. Para poderem ver o que há lá dentro têm mesmo que vir cá e com a certeza de uma coisa: não teriam que pagar um único centavo, porque a entrada nos museus do Estado sueco é inteiramente gratuita :p E são locais onde se encontram obras de Rodin, Rembrant, Munch, Dali, entre outros. Mais um detalhe interessante: todos os museus têm dezenas de cacifos para as pessoas deixarem malas e objectos pessoais e um bengaleiro para os casacos, o qual não é guardado: a pessoa simplesmente vai por ela mesma atrás do balcão (quando ele existe sequer) e deixa lá o seu casaco, sem ser preciso ficha ou plaquinha com um número. Pelos vistos, ninguém tem receio de roubos, até porque parece não haver motivo para isso, e há um certo sentimento geral de confiança no próximo.

Como disse o Boss: "Ah, a civilização..."

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Provérbio da semana

 

Os homens não se medem aos palmos; os deuses de fertilidade medem-se ao metro... pelo menos os apêndices corporais...



O deus Priapo num fresco nas ruinas de Pompeia. Amanhã vou ao Museu de História Antiga em Estocolmo, onde poderei ver uma imagem do Freyr, divindade predilecta aqui do je e outra a quem o provérbio se pode aplicar (como os meus amigos e os meus pais muito bem sabem). Aliás, que se escreva outro:

Os homens sofrem de peso na consicência; os deuses de fertilidade têm outro com que se preocupar...

Esta entrada vai diretinha para uma nova secção deste blogue - Sátira Religiosa - já disponível na coluna da esquerda, mesmo debaixo doutra chamada Pagão por cá. Porque fazer humor a partir de crenças religiosas só ofende quem quer ou, para dar livre uso a uma expressão popular, a carapuça só lhes serve se quiserem... e não, não vou usar esta frase para produzir outra piada a respeito de divindades "dotadas", lol.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Waiting for a star...

 

Esta é a centésima entrada deste blogue e, nem de propósito, é dedicada ao Dia de São Valentim :) Como sou solteiro e bom rapaz (cof!), vou referir várias pessoas.

Em primeito lugar, tu a quem eu dediquei esta entrada no Coroas de Pinho, tu que tens um lugar muito especial aqui dentro, um pedaço do meu coração que é teu e de mais ninguém. Estás longe, mas perto, todos os dias estás mais perto do que a maior parte das pessoas com quem eu me cruzo na Suécia :) Aqui o "Rudolph", a tua rena, deseja-te um dia super feliz e tudo, mas mesmo tudo de bom: não mereces menos do que isso :) Muitos mimos para ti :)

Quero também falar dos meus dois "manos", a Miz e o Ferro, os outros dois portadores do anel, lol. Estou com muitas saudades vossas, às vezes as memórias de nós os três com o resto do pessoal tiram-me o sono e tenho pena de não poder ir ter com a Miz nestas férias da Páscoa. Fica ao menos o consolo das cartas e o saber que em Junho vou estar uma semaninha inteira em Coimbra mais o Ferro :) As saudades que eu já tenho daquilo!

Ainda um obrigado ao Tiago pelo texto que me deixou numa suecada aqui no blogue, ao meu amigo Nuno pelas mensagens de bom dia que me manda e muitas, muitas felicidades para todos os meus amigos e amigas que namoram :) Beijinhos e abraços a todos vocês.

Da neve faz-se...

 

...uma data de coisas! Mas, neste caso, alguém fez uns quantos bonecos numa das encostas junto ao castelo, mesmo em frente à biblioteca universitária Carolina Rediviva (ou seja, em pleno centro de Uppsala). O autor é anónimo (pelo menos tanto quanto eu saiba) e, quanto à data em que foram feitos, só sei que já lá estavam no domingo. Tomem lá as fotografias para se rirem e espantarem um bocado:













Quem quer que seja que tenha sido o autor (ou os autores), uma coisa é certa: grande(s) artista(s)! :D

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Sátira Religiosa? Com todo o prazer!

 

Agora que um jornal iraniano publicou a primeira caricatura do Holocausto como forma de resposta às de Maomé (ver a notícia aqui), é boa altura para lembrar que aquilo que na terra do Komeni é visto como uma contra-ofensa, deve ser entendido por nós como uma manifestação essencial da liberdade de expressão e, como tal, não como um insulto, mas como uma coisa normal (e até salutar!).

Sinceramente, muito embora entenda quem diz que as caricaturas do profeta muçulmano são ofensivas, continuo sem compreender como é que a sua proibição ou, para usar um eufemismo, a sua não publicação, não constitui um atentado à liberdade de expressão. Porque ofende sentimentos religiosos e, como tal, devemos evitá-lo? Por favor...

Os Versículos Satânicos do britânico Salman Rushdie, livro publicado em 1989, foram considerados altamente ofensivos por muitos muçulmanos, tanto que gerou ondas de protestos no mundo islâmico e o autor teve a sua cabeça a prémio durante vários anos. À luz da actual controvérsia, devemos proibir a sua publicação?

O Evangelho Segundo Jesus Cristo do José Saramago foi considerado ofensivo pelos cristãos, uma obra blasfema, tanto que o então secretário de Estado adjunto da Cultura (persona mui beata, por sinal) impediu que o livro fosse premiado a nível europeu. À luz da actual controvérsia, devemos proibir que este Evangelho continue a ser publicado ou proibir a futura publicação de semelhantes obras?

Num episódio da sua Enciclopédia, Herman José punha uma das suas personagens a entrevistar Deus e Buda, sendo que este último acabava por puxar de uma arma para matar o entrevistador. Devemos proibir a transmissão e venda desta parte da série de humor por quebrar preceitos morais budistas?

Os britânicos Monty Python (abençoados sejam!) gozavam descarada e repetidas vezes com crenças e dogmas religiosos, representando Deus deste modo no Santo Graal...



... algo que vai contra a proibição hebraica (e não só) de representações da divindade por meio de ídolos ou imagens, ou produzindo a Vida de Brian, filme em que satirizaram a vida de Jesus por meio da de uma personagem paralela. À luz da actual controvérsia, devemos retirar os filmes e séries dos Monty Python das parteleiras da FNAC e afins?

O filme de 1999 Dogma foi também considerado ofensivo por muitos católicos: colocava em questão a infalibilidade da Igreja Romana, as indulgências, incluía um 13º apóstolo (que era negro, acrescente-se), uma descendente de Jesus Cristo e de Maria Madalena e, imagine-se só, Deus, além de gostar de descer à Terra para jogar softball, chega a ser protagonizado por uma mulher, mais propriamente pela Alanis Morissette. Devemos proibir a venda do filme por gozar tanto com os dogmas e crenças da Igreja Católica Romana? E o Código de da Vinci, o que fazer com ele? Afinal, o Vaticano desaconselha a sua leitura precisamente porque põe em causa a doutrina oficial, quebra limites impostos e preceitos religiosos e os católicos mais fervorosos protestam contra a adaptação cinematográfica do livro. Vamos proibi-lo por ser ofensivo?

O problema não está nas caricaturas; o problema está numa mentalidade imersa em fanatismo religioso, em crença fervorosa, em divino-dependência que é incapaz de questionar dogmas e crenças. O facto de uma multidão poder ser manipulada ao ponto de atacar e pilhar embaixadas porque um grupo de clérigos lhe disse que tinha que o fazer é sintoma disso mesmo: se essas pessoas nem se conseguem rir de si mesmas, se são incapazes de admitir o mais pequeno gracejo que seja sobre aquilo que têm como sagrado, como podem elas romper com a inquestionabilidade de que se servem os fanáticos religiosos?

Já o tinha dito nesta entrada e repito: rir, satirizar e caricaturar crenças - as nossas e as dos outros - é salutar, porque o humor torna o seu objecto redutível a uma piada, despe-o de inquestionabilidade e permite, desse modo, que seja criticável, analisável sem impedimentos dogmáticos. Há quem diga que com religião não se brinca. Errado! Deve-se brincar, rir, criar humor a partir dela: é essencial para que as crenças não se convertam em dogmas que justifiquem a acção de um bombista suicida ou que tornem inquestionável o clérigo que diz que tal acto bárbaro conduz ao paraíso. Citando o recente comunicado da Associação República e Laicidade:

Um alegado «dever de respeito» pelos «símbolos e figuras» religiosos não pode ser constituido em limite à liberdade de expressão, sob pena de destruir o debate livre e aberto que caracteriza as sociedades democráticas.

A liberdade de expressão não se rege por dogmas religiosos! Que se ria e que pelo riso se abra caminho à dúvida e à crítica!



Não te preocupes, Maomé... Aqui já fomos todos caricaturados.



Parem! Parem! Esgotámos as virgens!



Sinceramente, Sr. Maomé... umas quantas caricaturas dinamarquesas são o menor dos seus problemas de imagem... (na lista lê-se: Pesquisa de Relações Públicas, Islamismo: terrorismo, tirania teocrática, subjugação das mulheres, intolerância, perseguição dos muçulmanos moderados, medo da cultura ocidental e imagens de porquinhos).





Moisés...os seus primeiros anos. Moisés!! Pára com essa merda e toma o teu banho!

E para que não julguem que eu sou incapaz de me rir das minhas próprias crenças, tomem lá disto. A primeira ligação - Ask a silly question... - é particularmente deliciosa ;)