quarta-feira, setembro 07, 2005

Vamos ao mercado II

 

Talvez seja conveniente um pouco de geografia para vocês se situarem num mapa. O Lago Mälar estende-se desde o mar Báltico a oriente até ao interior sueco a ocidente, banhando Estocolmo e o extremo sul de Uppsala. É obra dos glaciares da Idade do Gelo que escavaram lentamente a rocha e deram origem a este extenso lençol de água repleto de penhascos, praias e uma enorme quantidade de ilhas de todos os feitios e tamanhos. A paisagem é dominada pelo verde da floresta e o azul do lago, mas pelo meio vislumbram-se aldeias, casas de campo mais ou menos isoladas e barcos de recreio.









O Florent (francês) e em segundo plano o Ralph (alemão).





Lá pelas onze e picos, depois de muita fotografia e amena cavaqueira, eis que chegámos à ilha de Björkö, onde se encontram os vestígios de Birka. Digo vestígios porque o posto comercial não sobreviveu ao declínio do século X, provocado por uma outra coisa em sentido descendente: a queda progressiva do nível da água.

Birka foi fundada algures na segunda metade do século VIII, provavelmente sob os auspícios de um rei ou líder local. A disposição dos edifícios, pelo menos, revela alguma forma de planeamento urbano desde a sua fundação até à sua extensão máxima em 950. Aquando da fundação da localidade, o nível da água era mais alto do que o actual em cerca de cinco metros e metade da ilha de Björkö encontrava-se submersa. Mas o recuo do gelo e a redução do peso exercido pelo mesmo originou uma progressiva elevação da terra e, pela consequente alteração da linha costeira, que o acesso por barco a portos como Birka fosse cada vez mais difícil. A localidade acabou por ser abandonada em 970 e outros postos comerciais na Escandinávia acabariam por sofrer o mesmo destino. Depois desta curta lição de história, vamos a umas fotos.




O desembarque. O rapaz à esquerda é o Shane, o meu colega australiano.





A subida para um dos cemitérios antigos. Birka chegou a ter uma população considerável e foi palco de uma das primeiras tentativas de cristianização da Escandinávia logo no século VIII, por um monge de nome Anskar. Falhou, e a grande maioria das milhares de sepulturas existentes na ilha são pagãs. Todas aquelas pequenas colinas são túmulos, meus caros, alguns ainda com pedras a contorná-los.





O primeiro vislumbra da área plana onde, em tempos, se ergueu Birka. Hoje é um terreno de pasto onde, todos os anos, se procede a escavações arqueológicas.



Nas ruínas do castelo com o Lars americano à esquerda. Birka, como qualquer localidade rica da época, era fortificada e disponha de um castelo no topo de uma colina rochosa coroada com uma paliçada.



Uma das ovelhas de Birka, em pose firme e hirta para a primeira página da Playsheep, LOL!



As margens do lago Mälaren da antiga localização de Birka. Durante os séculos IX e X, a cidade foi o primeiro posto comercial escandinavo com o oriente europeu. Foram encontradas diversas moedas de prata islâmicas que chegavam à Suécia pelas rotas comerciais que atravessavam a actual Rússia, Bizâncio, os reinos muçulmanos do Cáucaso e chegavam mesmo a Bagdade. Um achado numa ilha perto de Björkö tem uma origem ainda mais distante: uma pequena imagem de Buda originária da Índia. Dá para ter uma ideia da extensão das rotas comerciais que convergiam para este local e da sua consequente importância.



Upalálá, ‘tá a passar por cima de uma vedação electrificada :p



Antiga localização de Birka e, acho que dá para notar, os vestígios do castelo no lado esquerdo.

Depois fomos ao maior cemitério antigo da ilha. Chamam-lhe Hemlanden, a terra natal, e tem cerca de 1600 túmulos, quase todos eles pagãos. Uma vez mais, todas as colinas que vocês vêem nas fotos são sepulturas de habitantes e comerciantes de Birka. Henrique e Artúrio, deliciem-se: para quem já leu o Senhor dos Anéis, era isto o que o Tolkien tinha em mente quando descreveu a paisagem depois da casa do Tom Bombadil, onde os hobbits adormeceram e foram atacados por um fantasma:







Depois do passeio entre os mortos, ainda fomos visitar o museu de Birka e, lá pelas três da tarde, apanhámos o barco de volta para Estocolmo.





De pernas esticadas a velocidade de cruzeiro :)Da esquerda para a direita: eu, o Lars americano e a professora Alexandra.









A surpresa do dia: primeiro na ilha e depois a bordo pareceu-me ouvir uma língua familiar, palavras tipo “fazer”, “bom” e “tarde”. A bordo estava um casal de turistas portugueses, os primeiros ‘tugas que encontro por terras suecas. Já não era sem tempo!