sexta-feira, dezembro 16, 2005

Presidencialices

 

Ao ler as notícias de Portugal na SIC Online, dei de caras com isto: as palavras de notáveis do PS em apoio à candidatura de Soares, com particular destaque para António Vitorino. Se ele se afastou da política activa por ser desgastante - e não digo o contrário - não deixa de ser interessante que ele mesmo contribua para um debate político que de construtivo e edificante tem pouco ou nada, senão vejamos.

António Vitorino diz, e passo a citar, que "Portugal não precisa de dom Sebastiões ou de homens providenciais, mas de um Presidente da República que saiba unir os portugueses". Curioso, então, que ao mesmo tempo que recusa o sebastianismo político, ele vai logo apoiar o ex-presidente já na casa dos 80 anos de idade que se candidata a um terceiro mandato, qual patriarca chamado de volta a acção para a salvação da Pátria, qual quê! Comparado com Soares, Cavaco tem muito menos de D. Sebastião (e atenção que eu não sou, nem nunca fui cavaquista!).

Mas há mais: "Cavaco Silva não quer ser visto com os líderes do PSD, Marques Mendes, e do CDS-PP, Ribeiro e Castro. Mas o mais espantoso é que os próprios não se importam com isso." Ora bem, está explicado porque é que Vitorino se recusa a ver um D. Sebastião em Soares, mas apenas e exclusivamente em Cavaco: António acha que ele tem o dever de apoiar Mário por ele ser da mesma família política que ele e, como se não bastasse, acha estranho - quiça escandaloso - que os líderes do PSD e CDS-PP não se importem com o desejo de Cavaco em não querer ser visto com eles. Sinceramente, de um político de qualidade como Vitorino eu esperava mais, nomeadamente perceber que as eleições presidenciais são - e na prática deviam certamente ser - apartidárias, isto é, independentes de partidos políticos. Em vez disso e infelizmente, o que se verifica é a quase completa monopolização das mesmas pelos aparelhos partidários, asfixiando qualquer iniciativa de cidadãos anónimos que tentam exercer o seu direito de participação, mas que não têm o apoio de "bispos" da política. Só assim se percebe o espanto de Vitorino e as suas palavras em relação à campanha de Manuel Alegre: "logo que avançou, começou por dividir a sua própria família política". Ora, caro António, uma candidatura presidencial faz-se de cidadãos, não de partidos, e é lamentável que Vitorino falhe em ver isso, ou prefira render-se aos tiques políticos correntes, às tantas por alguma fidelidade cega ao seu partido.

Mas a cereja no topo deste bolo já por si muito lamentável veio mesmo pelas palavras de Fernando Nobre, presidente da Assistência Médica Internacional e apoiante de Mário Soares, que justificou o seu apoio pela amizade que tem pelo ex-chefe de Estado, dizendo: "Os amigos vêem-se nas alturas difíceis". Os amigos, caro senhor, nada têm nem devem ter a ver com a política ou, como diz o adágio, amigos amigos, negócios à parte. Que a amizade entre pessoas (e não Estados!) não só seja vista como argumento válido na política, como é aceitável dizê-lo em alto e bom som com orgulho, é algo que faz com que uma pessoa comece a perceber porque é que em Portugal, uma vez atrás da outra ad nauseum, se quebra regulamentos, contorna-se a lei, viola-se legislação e planos de planeamento e ordenamento do território, não se aplica coimas, fiscais olham para o lado e tem-se concursos públicos dúbios ou mesmo fraudulentos: porque as pessoas ainda não perceberam que uma coisa é a excecução de cargos políticos e administrativos e outra as suas relações pessoais. Achegas, favores, cunhas, empurrõezinhos, isto são coisas de péssimos profissionais, pessoas que deviam, no minimo, ser demitidas, expulsas de campanhas e ordens profissionais e voltar para os bancos das escolas para (re)aprender uma quantas coisas. Já seria mau o suficiente se eles existissem escondidos e sorrateiramente, em Portugal eles vêm à televisão dizer que é isso mesmo o que fazem: tomam decisões e julgam certas coisas - coisas que não deviam! - por amizades, intimidades e relações de proximidade. Digno de um país de Terceiro Mundo, não haja dúvida!

Mas também, diga-se de passagem, da candidatura de Mário Soares talvez não fosse de esperar algo de muito diferente, porque este tipo de promiscuidade está ao nível do próprio candidato, ou não foi ele que nas últimos eleições internas do PS disse que ia votar no seu filho por este ser... seu filho? São palavras que demonstram faltam de maturidade política do D. Sebastião que Vitorino não admite. O que estava em causa na eleição do secretário geral - de resto, como em qualquer outra eleição - eram os projectos, as ideias, as visões, a capacidade do candidato em levar por diante as suas propostas, e não relações familiares. Com uma classe política assim, é de espantar o estado do país?

Sobra ao menos um pequeno pingo de bom senso na pessoa de Maria João Sande Lemos, que parece ter conseguido pensar pela sua própria cabeça, pois apesar de ser social-democrata decidiu-se por apoiar Mário Soares, em vez de deixar que o seu partido decidisse por ela e lhe sequestrasse direitos enquanto cidadã.

1 Comments:

Anonymous Anónimo disse...

Bem... isto não tem nada a ver com o tema, mas não queria deixar passar a oportunidade de te desejar UMA EXCELENTE VIAGEM DE REGRESSO :D UM NATAL MUITO FELIZ PARA TI E PARA OS TEUS E UM SUPER ANO NOVO, COM TUDO O QUE MAIS DESEJARES :D
Um beijinho, Hélio :) Namárië!

9:41 da tarde  

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