sexta-feira, abril 21, 2006

A humidade faz a força

 

De tempos a tempos, com maior ou menor frequência, mas principalmente em períodos de crise prolongada (como o actual), costuma-se ouvir aqui e ali que Portugal estaria melhor numa união ibérica com Espanha. É quase um lugar-comum de lamúria nacional, mas que não deixa de denunciar precisamente o tipo de coisas que nos retêm na crise em que estamos: facilitismo, resignação e ignorância. Já foi possível constatá-lo neste blogue há alguns meses atrás, quando alguém terá dito que estaríamos melhor em Espanha ao comentar uma entrada sobre... a Galiza!

O português médio acha que Espanha é toda igual, acha que é um país com a mesma língua, cultura e qualidade de vida do cabo Finisterra até às Baleares. O português médio acha que o país vizinho é um bloco uniforme em que tanto faz falar da Galiza, como da Estremadura ou da Catalunha: para ele tanto faz, porque para ele é tudo igual. Mas engana-se. Espanha é - e sempre foi - um conjunto de nacionalidades e línguas diferentes reconhecidas oficialmente: paralelamente ao castelhano, fala-se catalão, basco, aragonês, leonês e galego-português; paralelamente à nacionalidade espanhola, a constituição de Espanha reconhece a existência de nacionalidades históricas, como a catalã, galega ou basca. Aliás, se o português médio estivesse atento ao que se passa do outro lado da fronteira, saberia que, recentemente, os deputados nacionais espanhóis aprovaram um novo estatuto da Catalunha que a define como nação e que um processo de revisão estutária está a ter lugar na Galiza, estando igualmente sobre a mesa a proposta de reconhecer a nação galega com todas as letras. Cultural, histórica e linguisticamente, Espanha não é toda igual.

Também não o é em termos de desenvolvimento e qualidade de vida: enquanto numa ponta está uma riquíssima Catalunha, na outra encontra-se uma Galiza bastante mais pobre, pelo menos comparativamente. O motivo para esta descrepância é simples: a produção de riqueza em Espanha não depende apenas das políticas do governo central em Madrid, mas depende também do que se decide e faz nas diversas regiões autónomas como a Catalunha, Galiza, Estremadura, Astúrias ou País Basco. E também não se pense que a riqueza que se produz numa região é partilhada por todas as outras: o novo estatuto catalão prevê que pelo menos metade das receitas catalãs fiquem na Catalunha em vez de irem para o governo central.

O que é que isto nos diz? Que o sucesso espanhol não passa unicamente pelas políticas ditadas em Madrid: passa também pelas que são decididas pelos governos autónomos nas capitais regionais, tanto que diferentes regiões têm diferentes graus de sucesso. Disto isto, não ia ser uma união política de Portugal com Espanha que nos ia arrumar a casa, já que iamos continuar a depender em boa medida da gestão que fazemos de nós próprios enquanto região autónoma. E a prova de que não iria resolver os nossos problemas encontra-se no actual estado de coisas: não é por estarmos na União Europeia que temos automaticamente o nível de vida de uma Alemanha ou de uma Suécia, pelo simples motivo de que continuamos a depender da gestão que os portugueses fazem de Portugal. Moral da história: a coisa não muda por fugirmos para outro país ou por recebermos fundos de quem tem mais dinheiro que nós, mas muda apenas e somente se trabalharmos para isso. Por muita ajuda que possa vir de fora, ela de nada serve se não soubermos geri-la por nós mesmos ou, como diria o Padre António Vieira, o bom sal não salga a terra se ela não se deixa salgar. Portugal tem que resolver os seus problemas por si mesmo, porque ninguém o vai fazer por ele.

Dizer que a solução passa por uma união política com o país vizinho equivale a continuar na mesma lógica facilitista da fuga: é querer passar a batata quente para Madrid na esperança que os outros resolvam aquilo que nós não conseguimos e não queremos. E quem muitas vezes acha que em Espanha iamos estar melhor é o mesmo português que diz que «'tá mal!», mas pouco ou nada faz para mudar o estado de coisas, é o mesmo que olha para os resultados espanhóis - maior riqueza e melhor qualidade de vida - mas não para o que é preciso fazer para os obter: trabalhar mais e melhor, boa formação, pagar impostos e valorizar o mérito individual em vez da cunha ou o "padrinho". Muitos dos portugueses que falam de uma união com Espanha como quem fala de pevides e vinho verde são os mesmos que mantêm Portugal no atraso em que ele se encontra: querem o fruto sem o esforço necessário para o fazer crescer.


2 Comments:

Blogger 125_azul disse...

Ahhhh, eu esforço-me e não faço mal, mas, ás vezes preferia morar em barcelona, juro!!!
Está tão feliz e colorido o teu post anterior, mas não consegui a brir a caixa para deixar comentário. Bom fim de semana

3:48 da tarde  
Blogger Héliocoptero disse...

Barcelona não é Espanha: é Catalunha ;)

Bom fim de semana para ti também.

5:50 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home