Agora que um jornal iraniano publicou a primeira caricatura do Holocausto como forma de resposta às de Maomé (ver a notícia
aqui), é boa altura para lembrar que aquilo que na terra do Komeni é visto como uma contra-ofensa, deve ser entendido por nós como uma manifestação essencial da liberdade de expressão e, como tal, não como um insulto, mas como uma coisa normal (e até salutar!).
Sinceramente, muito embora entenda quem diz que as caricaturas do profeta muçulmano são ofensivas, continuo sem compreender como é que a sua proibição ou, para usar um eufemismo, a sua
não publicação,
não constitui um atentado à liberdade de expressão. Porque ofende sentimentos religiosos e, como tal, devemos evitá-lo? Por favor...
Os
Versículos Satânicos do britânico
Salman Rushdie, livro publicado em 1989, foram considerados altamente ofensivos por muitos muçulmanos, tanto que gerou ondas de protestos no mundo islâmico e o autor teve a sua cabeça a prémio durante vários anos. À luz da actual controvérsia, devemos proibir a sua publicação?
O
Evangelho Segundo Jesus Cristo do José Saramago foi considerado ofensivo pelos cristãos, uma obra blasfema, tanto que o então secretário de Estado adjunto da Cultura (
persona mui beata, por sinal) impediu que o livro fosse premiado a nível europeu. À luz da actual controvérsia, devemos proibir que este
Evangelho continue a ser publicado ou proibir a futura publicação de semelhantes obras?
Num episódio da sua
Enciclopédia, Herman José punha uma das suas personagens a entrevistar Deus e Buda, sendo que este último acabava por puxar de uma arma para matar o entrevistador. Devemos proibir a transmissão e venda desta parte da série de humor por quebrar preceitos morais budistas?
Os britânicos
Monty Python (abençoados sejam!) gozavam descarada e repetidas vezes com crenças e dogmas religiosos, representando Deus deste modo no
Santo Graal...

... algo que vai contra a proibição hebraica (e não só) de representações da divindade por meio de ídolos ou imagens, ou produzindo a
Vida de Brian, filme em que satirizaram a vida de Jesus por meio da de uma personagem paralela. À luz da actual controvérsia, devemos retirar os filmes e séries dos Monty Python das parteleiras da FNAC e afins?
O filme de 1999
Dogma foi também considerado ofensivo por muitos católicos: colocava em questão a infalibilidade da Igreja Romana, as indulgências, incluía um 13º apóstolo (que era negro, acrescente-se), uma descendente de Jesus Cristo e de Maria Madalena e, imagine-se só, Deus, além de gostar de descer à Terra para jogar
softball, chega a ser protagonizado por uma mulher, mais propriamente pela
Alanis Morissette. Devemos proibir a venda do filme por gozar tanto com os dogmas e crenças da Igreja Católica Romana? E o
Código de da Vinci, o que fazer com ele? Afinal, o Vaticano desaconselha a sua leitura precisamente porque põe em causa a doutrina oficial, quebra limites impostos e preceitos religiosos e os católicos mais fervorosos protestam contra a adaptação cinematográfica do livro. Vamos proibi-lo por ser ofensivo?
O problema não está nas caricaturas; o problema está numa mentalidade imersa em fanatismo religioso, em crença fervorosa, em divino-dependência que é incapaz de questionar dogmas e crenças. O facto de uma multidão poder ser manipulada ao ponto de atacar e pilhar embaixadas porque um grupo de clérigos lhe disse que tinha que o fazer é sintoma disso mesmo: se essas pessoas nem se conseguem rir de si mesmas, se são incapazes de admitir o mais pequeno gracejo que seja sobre aquilo que têm como sagrado, como podem elas romper com a inquestionabilidade de que se servem os fanáticos religiosos?
Já o tinha dito
nesta entrada e repito: rir, satirizar e caricaturar crenças - as nossas e as dos outros - é salutar, porque o humor torna o seu objecto redutível a uma piada, despe-o de inquestionabilidade e permite, desse modo, que seja criticável, analisável sem impedimentos dogmáticos. Há quem diga que com religião não se brinca. Errado! Deve-se brincar, rir, criar humor a partir dela: é essencial para que as crenças não se convertam em dogmas que justifiquem a acção de um bombista suicida ou que tornem inquestionável o clérigo que diz que tal acto bárbaro conduz ao paraíso. Citando o recente comunicado da
Associação República e Laicidade:
Um alegado «dever de respeito» pelos «símbolos e figuras» religiosos não pode ser constituido em limite à liberdade de expressão, sob pena de destruir o debate livre e aberto que caracteriza as sociedades democráticas.A liberdade de expressão não se rege por dogmas religiosos! Que se ria e que pelo riso se abra caminho à dúvida e à crítica!
Não te preocupes, Maomé... Aqui já fomos todos caricaturados.
Parem! Parem! Esgotámos as virgens!
Sinceramente, Sr. Maomé... umas quantas caricaturas dinamarquesas são o menor dos seus problemas de imagem... (na lista lê-se:
Pesquisa de Relações Públicas, Islamismo: terrorismo, tirania teocrática, subjugação das mulheres, intolerância, perseguição dos muçulmanos moderados, medo da cultura ocidental e imagens de porquinhos).


Moisés...os seus primeiros anos.
Moisés!! Pára com essa merda e toma o teu banho!E para que não julguem que eu sou incapaz de me rir das minhas próprias crenças, tomem lá
disto. A primeira ligação -
Ask a silly question... - é particularmente deliciosa ;)